Há exatamente dois anos, passava os últimos momentos com a minha mãe. Dona Marina era guerreira. Ficou viúva cedo, veio pra São Paulo com os três filhos pequenos. Viveu da ajuda dos meus tios que já estavam aqui e acordava às 4h da manhã, todo dia para deixar comida pronta pra eles, antes de sair pra costurar.
E como costurava essa moça. E era tão bonita... Nunca teve voz alta pra falar de ninguém. Vá lá que às vezes errava em algum comentário, até por ignorância. Gostava de todo mundo. E ai de quem ela não gostasse: podia confiar que a pessoa não prestava em algo.
Lembro tanto que, quando ela perdia o sono, ia pra cozinha fazer pão. Em casa, meus irmãos e eu, acordávamos com aquele cheiro delicioso. Lembro bem também do zelo que ela tinha com todos e com a pergunta constante de: "filha, você não vem pra casa?" quando eu já morava fora de lá há algum tempo.
E ela contava mil vezes as mesmas histórias de quando era criança lá em Malacacheta, nortão de Minas Gerais e brincava na rua, sem luz, no sereno "porque o sereno daquela época fazia bem".
Mas tanta bondade, tanto ressentimento e uma depressão que ela fingia não ter a fizeram doente. Era um problema grave no coração. E foram anos e anos de sofrimento. Ela agüentou um bom tempo a falta do meu irmão, que morrera em 1985. E eu, que tinha só dez anos à época, já tentava suprir essa carência de algum jeito.
Não dava, não é? Ela falava: “porque eu tinha que perder um filho? Os pais devem morrer antes”. E ela foi guerreira não só nesses momentos: aguentou também as ‘crapulanisses’ e cachorradas do meu pai (nunca teve sorte com os homens, visto que o primeiro marido deus deve ter levado logo pra dar sossego à vida dela).
E viveu. Fez de tudo para que vivêssemos felizes, mesmo quando estava triste. Tinha medo de deixar transparecer isso. Exceto quando fazia manha. Era manhosa demais. E turrona. Com jeitinho, fazia com que caíssemos em suas armadilhas de sedução de mãe.
E, como qualquer ser humano de bom coração, gostava demais de dar e receber carinho. Deixou saudade em um monte de gente.
Mas foi quando o coração já não aguentava mais, no dia 6 de julho de 2008, que ela parou de funcionar. Já não estava mais funcionando do jeito que ela gostava; do jeito que nós gostávamos. Sofria, chorava. E chorávamos juntos, toda vez. Seria possível alguém com tanta vitalidade e independência ter que ter alguém por perto pra fazer tudo por ela?
Não, não seria. Não seria justo com ela, principalmente. Porque ela tinha defeitos de monte (quem não tem? ) surtava com coisas à toa, mas queria o nosso bem. Assim como nós a queríamos bem.
Ela também fingira que não aceitava minha homossexualidade. Balela: tratava minhas namoradas como filhas.
Quero que você esteja bem, minha mãe. E pode deixar que vamos cuidar do Nicholas e de todo mundo por aqui. Sei que você nos vê e torce para que tudo dê certo sempre, como sempre torceu.
Um dia eu te encontro e vamos dar risadas gostosas de tudo isso. E pode saber (porque sei que você sabe) que quando eu crescer, quero ser igual a você.
Eu te amo e isso nunca vai mudar.
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terça-feira, 6 de julho de 2010
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