terça-feira, 6 de julho de 2010

Mãe

Há exatamente dois anos, passava os últimos momentos com a minha mãe. Dona Marina era guerreira. Ficou viúva cedo, veio pra São Paulo com os três filhos pequenos. Viveu da ajuda dos meus tios que já estavam aqui e acordava às 4h da manhã, todo dia para deixar comida pronta pra eles, antes de sair pra costurar.

E como costurava essa moça. E era tão bonita... Nunca teve voz alta pra falar de ninguém. Vá lá que às vezes errava em algum comentário, até por ignorância. Gostava de todo mundo. E ai de quem ela não gostasse: podia confiar que a pessoa não prestava em algo.

Lembro tanto que, quando ela perdia o sono, ia pra cozinha fazer pão. Em casa, meus irmãos e eu, acordávamos com aquele cheiro delicioso. Lembro bem também do zelo que ela tinha com todos e com a pergunta constante de: "filha, você não vem pra casa?" quando eu já morava fora de lá há algum tempo.

E ela contava mil vezes as mesmas histórias de quando era criança lá em Malacacheta, nortão de Minas Gerais e brincava na rua, sem luz, no sereno "porque o sereno daquela época fazia bem".

Mas tanta bondade, tanto ressentimento e uma depressão que ela fingia não ter a fizeram doente. Era um problema grave no coração. E foram anos e anos de sofrimento. Ela agüentou um bom tempo a falta do meu irmão, que morrera em 1985. E eu, que tinha só dez anos à época, já tentava suprir essa carência de algum jeito.

Não dava, não é? Ela falava: “porque eu tinha que perder um filho? Os pais devem morrer antes”. E ela foi guerreira não só nesses momentos: aguentou também as ‘crapulanisses’ e cachorradas do meu pai (nunca teve sorte com os homens, visto que o primeiro marido deus deve ter levado logo pra dar sossego à vida dela).

E viveu. Fez de tudo para que vivêssemos felizes, mesmo quando estava triste. Tinha medo de deixar transparecer isso. Exceto quando fazia manha. Era manhosa demais. E turrona. Com jeitinho, fazia com que caíssemos em suas armadilhas de sedução de mãe.

E, como qualquer ser humano de bom coração, gostava demais de dar e receber carinho. Deixou saudade em um monte de gente.

Mas foi quando o coração já não aguentava mais, no dia 6 de julho de 2008, que ela parou de funcionar. Já não estava mais funcionando do jeito que ela gostava; do jeito que nós gostávamos. Sofria, chorava. E chorávamos juntos, toda vez. Seria possível alguém com tanta vitalidade e independência ter que ter alguém por perto pra fazer tudo por ela?

Não, não seria. Não seria justo com ela, principalmente. Porque ela tinha defeitos de monte (quem não tem? ) surtava com coisas à toa, mas queria o nosso bem. Assim como nós a queríamos bem.

Ela também fingira que não aceitava minha homossexualidade. Balela: tratava minhas namoradas como filhas.

Quero que você esteja bem, minha mãe. E pode deixar que vamos cuidar do Nicholas e de todo mundo por aqui. Sei que você nos vê e torce para que tudo dê certo sempre, como sempre torceu.

Um dia eu te encontro e vamos dar risadas gostosas de tudo isso. E pode saber (porque sei que você sabe) que quando eu crescer, quero ser igual a você.

Eu te amo e isso nunca vai mudar.

7 comentários:

  1. me dá uma alegria poder ser uma das primeiras pessoas a ler isso.
    porque a saudade dela ficou em mim também. me peguei chorando seu texto e pensando em ninguém menos que ela. e olha a perda que sofreu você e eu. e a outra que sofri eu e você. tudo perto, junto demais pra dar sossego em coração que só começa a ficar marcado...

    te amo, menininha. e só consigo te ver assim: menininha. apesar do sangue de marina correr por aí e você ser, na verdade, um mulherão.

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  2. Sam,
    Eu queria ter toda essa força e poder sempre passá-la adiante. Mas acho que o mais importante é o que eu sinto com pessoas como você: um amor tão terno, tão puro... e isso, aprendi demais com ela.
    As perdas são difíceis mesmo. Ainda bem que existimos uma na vida da outra (tentamos compensar isso de alguma forma, ainda que seja inviável).
    Te amo muito,
    Rô.

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  3. achei que combinava com a gente:

    Mais Feliz
    Adriana Calcanhotto
    Composição: Dé/ Bebel Gilberto/ Cazuza

    O nosso amor não vai parar de rolar
    De fugir e seguir como um rio
    Como uma pedra que divide um rio
    Me diga coisas bonitas

    O nosso amor não vai olhar para trás
    Desencantar, nem ser tema de livro
    A vida inteira eu quis um verso simples
    P'ra transformar o que eu digo

    Rimas fáceis, calafrios
    Fure o dedo, faz um pacto comigo
    Num segundo teu no meu
    Por um segundo mais feliz

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  4. Eu AMO essa música. E acho que tem tudo a ver mesmo =D
    Amo-te!

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  5. Com o nascimento do meu sobrinho tive a real noção do amor de mãe. Este sim é legítimo, intrínseco, substancial. O amor de mãe ultrapassa qualquer bom senso, qualquer dificuldade. Dona Marina amou seus filhos do começo ao fim. Ou melhor, Dona Marina amou seus filhos desde o começo. Ou ainda: Dona Marina amou. Intransitivo.

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  6. Um dia eu disse a uma amiga, com toda a convicção do mundo: "Queria saber qdo minha mãe vai morreu preu morrer 5 minutos antes e não viver essa dor, cujo tamanho e intensidade eu não sou capaz sequer de imaginar....." Ao que minha amiga me disse: Paula, pense bem, não seja egoísta! Já imaginou a dor que sua mãe sentiria caso perdesse você ou qualquer um dos seus irmãos? Então, eu AMO tanto a minha mãe que quero que ela se vá antes de mim.....não quero essa dor prá ela....nem prá mim, mas eu sou forte e aguento! Já combinamos que vamos dar um jeito de continuar nos comunicando por telepatia mesmo "quando ela tiver saído para fora do meu círculo".....

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  7. Vi a foto da sua mãe no Face e o rosto dela é doce, um olhar de mamãe mesmo, ao mesmo tempo forte.....Eu não havia visto a foto antes de postar a mensagem anterior, mas essa foi a imagem q eu tive da sua mãe.....bjs, Rô!

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